Uma releitura das transformações vividas por populações atingidas por barrag
A seleção do programa Águas Barradas cruza filmes das décadas de 60 e 70 contratados pelo estado, sobre as obras de construção das usinas e barragens do Rio São Francisco com outros filmes dos anos 2010 que fazem uma releitura das transformações vividas por essas populações que foram removidas de suas terras nesse processo. Os filmes de 50 anos atrás, que hoje podem ser vistos como documentos históricos das narrativas do governo militar, se situam entre o documental, o institucional e a publicidade e prometem o desenvolvimento e o bem estar social. Os mais contemporâneos se utilizam de materiais de arquivo e depoimentos no tempo presente de personagens que viveram esses acontecimentos, para contrapor essa visão do regime e evidenciar os problemas gerados por esses empreendimentos, expondo o processo de vulnerabilização material e emocional dessas populações e a destruição ambiental do rio.
Águas do presente e do futuro, foi realizado na década de 60 e acompanha a construção do complexo de Usinas hidrelétricas da Chesf no curso do São Francisco. O filme vende o progresso e a prosperidade econômica para a nação, o cuidado com a vazão do rio, e uma nova perspectiva de mercado e bem estar aos moradores das regiões afetadas pelo grande empreendimento estatal. Simboliza os ideais do “milagre brasileiro” e do progresso acima de tudo e de todos.
Criando Vida nova mostra o processo de remoção e transferência das populações atingidas pela construção da barragem de Sobradinho, na Bahia. O filme ressalta os cuidados e melhorias que os ribeirinhos desalojados vão receber do estado e minimiza a insatisfação das pessoas, apesar das imagens muitas vezes nos trazerem uma impressão ambígua. O filme ressalta que 20% do investimento de Sobradinho foi na relocação e indenização dos atingidos. A voz de Sérgio Chapelin na narração é evidência do tom oficial dessas narrativas que prometem uma vida nova e próspera longe da seca.
Desterro promove o encontro, na barragem de Sobradinho, de Thereza Batalha, que trabalhou em 1976 na equipe de desapropriação da cidade de Pilão Arcado com Dona Pequenita, antiga moradora que voltou após a inundação e vive sozinha nas ruínas da cidade fantasma. Enquanto vemos as imagens captadas por Thereza, quarenta anos antes, pouco antes da inundação, a conversa entre as duas evoca memórias da antiga cidade e Thereza revela que abandonou o trabalho antes das desapropriações por não concordar com o destino imposto àquelas pessoas.
Em De profundis, imagens das ruínas da antiga cidade submersa e das ruas vazias da nova cidade se misturam com arquivos da cidade de Itacuruba já destruída antes da inundação, e da procissão de Nossa Senhora a caminho da nova cidade. Alguns participantes que viveram essa desapropriação de terras para construção da barragem de Taguatinga relatam a dor de abandonarem suas casas e suas memórias debaixo das águas. Os relatos revelam que o afastamento de suas raízes, seus trabalhos e modos de vida geraram um quadro de fragilidade emocional coletiva nesta comunidade, que convive com a depressão e o suicídio.
Custos cria um ensaio documental a partir de três esquemas hidrelétricos que acontecem em diferentes épocas no Brasil (passado – a barragem de Sobradinho, presente – a barragem de Belo Monte e o futuro – o complexo da barragem de Garambi-Panambi). O filme navega com a câmera pelas águas do rio e das barragens enquanto ouvimos a voz dos moradores atingidos pelas obras. Eles cantam e falam de suas memórias afetivas, criando um inventário daquilo que desapareceu com as inundações: os peixes, os bichos que habitavam suas margens, assim como as memórias do espaço, da paisagem, de suas casas, de suas atividades cotidianas nas cidades inundadas. Pessoas sentem a dor por si e pelo rio, tratando-o como uma entidade viva, um pai, que está doente e precisa de ajuda. .